Artigo de Tomislav Femenick, publicado no Jornal O Globo
Dizem que nós, os filhos do "país de Mossoró", somos extremamente bairristas. Há até os que pensam que, além disso, somos metidos; queremos ser mais do que somos. É uma tremenda inverdade e uma injustiça o que fazem com os que nasceram na terra de Santa Luzia de Mossoró, assim como eu.
Vejamos um fato concreto: a eleição de Dilma Rousseff para presidente da República e sua posse no último dia 1º. Há dois aspectos a considerar: primeiro, não votei nela, até porque concordo com seu aliado, o irrequieto e agitado Ciro Gomes: José Serra é muito mais capaz e preparado para dirigir o Brasil. Depois, os votos mossoroenses não eram suficientes para levá-la ao Palácio do Planalto.
Apesar de todas essas considerações, repito o título deste artigo: tudo começou em Mossoró. A base foi a Lei Estadual nº 660, de 25 de outubro de 1927, que fez do Rio Grande do Norte o primeiro estado a estender o direito do voto às mulheres. Um mês depois, no dia 25 de novembro de 1927, o nome de Celina Guimarães Vianna foi incluído na lista de eleitores de Mossoró. O acontecimento teve repercussão até no exterior, pois ela não somente era a primeira eleitora do Brasil, mas, também, a pioneira da América do Sul.
As mulheres lutavam para conquistar o direito do voto desde o inicio do século XX. Muitas combateram essa luta democrática, enfrentaram resistências veladas, grosseiras e até ataques físicos. Talvez por isso, após conquistar o seu status de eleitora, Celina, que até então não tivera nenhuma atuação política, passou a fazer proselitismo pela participação da mulher nas escolhas eleitorais. Ao receber a confirmação de sua inscrição eleitoral, ela telegrafou ao presidente do Senado Federal requerendo que todas as mulheres tivessem o mesmo direito. Elaborou ainda um panfleto e distribuiu pela cidade, convocando todas as mulheres para que fizessem suas inscrições no cartório eleitoral e votarem, observando que tal ação contribuía para o progresso da cidade, do estado e do país.
Celina Guimarães era filha de José Eustáquio de Amorim Guimarães e de Eliza de Amorim Guimarães. Nasceu em 1890 em Natal, onde estudou e concluiu o curso de professorado na Escola Normal. Lá conheceu Elyseu de Oliveira Viana, um jovem estudante - que mais tarde virou advogado e professor - com quem se casou. Mudou-se para Mossoró em 1914. Como educadora, utilizava o teatro para despertar o interesse dos aluno. Ela mesma redigia e dirigia as peças, desenhava e criava os figurinos.
"Por essa e outras iniciativas pedagógicas, Celina foi incluída no Livro de Honra da Instrução Pública, um reconhecimento pelos bons serviços prestados ao Estado", diz Semira Adler Vainsencher, pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco, de Recife.
Nós, mossoroenses, somos acostumados com as mulheres na política: quer nos bastidores, quer na linha de frente. Há quase 15 anos, "o país de Mossoró" é dirigido por prefeitas. Há oito anos, o Rio Grande do Norte é governado por uma mulher, Wilma de Faria, uma mossoroense. Agora vai ser administrado por outra mulher, Rosalba Ciarlini, também mossoroense, que já foi prefeita de nossa cidade e senadora. A cidade de Natal é dirigida por uma prefeita, assim como vários outros municípios do interior.
Dilma não é mossoroense nem potiguar. Mas, para chegar lá, foi preciso que dona Celina Guimarães Viana lutasse a luta que ela lutou, em nome de todas as mulheres brasileiras.