
Valter Campanato/ABr
Ex-governador  do Paraná, Roberto Requião (PMDB-PR) fez campanha dividindo o palanque  com Dilma Rousseff. Eleito, tornou-se um dos mais ácidos críticos do  governo no Senado.
Votou  a favor do salário mínimo de R$ 560, contra os R$ 545. Disse ‘não’ à  medida provisória que instituiu a APO (Autoridade Pública Olímpica).  Instou os colegas que abandonarem o comportamento “bovino” no trato  com o governo.
Da tribuna, disse que a gestão Dilma privilegia o “capital vadio” em detrimento do "trabalho". Em entrevista ao blog, Requião, 70 anos completados neste sábado (5), afirmou: 
“O Congresso foi reduzido a emendas e nomeações para carguinhos no governo”. Abaixo a entrevista:

- Acha que os apoiadores do governo votam bovinamente?  Não é só a base da Dilma. Há uma cultura congressual que leva ao  comportamento bovino. Vota-se tudo sem visão crítica. O Congresso foi  reduzido a emendinhas e nomeações para carguinhos no governo. Foi assim  com o Fernando Henrique, com o Lula e a Dilma está repetindo a prática.  Não é bom pra ela.
- Não se sente incomodado no PMDB, que provê o maior rebanho?  Qual é o partido que não é assim? O PMDB é igualzinho aos outros. Eu me  sinto angustiado, mas esse é um processo criado pela cultura partidária  e congressual brasileira. 
- Há como mudar?  Ainda não perdi as esperanças na tia Dilma. Ela tomou algumas atitudes.  Mandou o [deputado] Eduardo Cunha [PMDB-RJ] às favas [Dilma afastou do  comando de Furnas apadrinhados de Cunha]. 
- A relação do PMDB com o governo é inadequada?  O PMDB compôs a coligação da Dilma para que ela adquirisse o horário  eleitoral do partido. O PMDB, hoje, vale pelo horário da televisão.
- Alega-se que a presença de Michel Temer na vice-presidência deu ares institucionais a essa relação. Discorda?  Eu gosto do Temer. Ele não é uma figura que você possa colocar no nível  de outras, desqualificadas. Mas eles nunca mais fizeram uma convenção  pra valer. O PMDB foi apropriado. Na última convenção, eu e o Pedro  [Simon] pretendíamos apresentar uma chapa de candidatura própria à  Presidência. Não conseguimos. Não digo que o Temer é o pior cara do  PMDB, mas não tem uma ligação orgânica com o partido. Sobram as  emendinhas e o comércio dos carguinhos. Isso não é saudável.
- Sem cargos e emendas o PMDB apoiaria Dilma?  Fui governador do Paraná três vezes. Nunca libeberei emenda de  deputado. E tive maioria na Assembléia. Trabalhava com projetos. Os  deputados iam para suas bases, falavam dos projetos e diziam que  apoiavam. Funcionou enquanto eu fui governador. 
- Essa posição crítica vai permear o seu mandato?  Ela tem permeado a minha vida. Apoiarei com entusiasmo a tia Dilma  quando estiver correta. Não vou exercitar a tolerância continuada, que  vira submissão.
- Sua posição é diferente da de Jarbas Vasconcelos?  O Jarbas não apoiou a Dilma, eu apoei com entusiasmo. Acho que ela  nunca esperou de mim a cegueira. Também não quero nada. No governo,  minha indicada é a Dilma. Não entro em comércio de cargos.
- Suas restrições à política econômica são agudas. O sugere que seja feito?  No meu governo, fiz um seminário no Paraná sobre a crise financeira  global. Trouxe gente do mundo inteiro. Organizei junto com o Carlos  Lessa [ex-presidente do BNDES]. As palestras estão todas no meu site.
- A que conclusões chegaram? Construímos uma visão clara do que havia acontecido no mundo. O Brasil está na contramão de tudo o que se faz no planeta.
- Como assim?  Estamos aumentando os juros e comprimindo salários. Temos inflação  porque falta investimento em infraestrutura. Investimento privado e  público. Então, qualquer aquecimento da demanda provoca inflação. 
- O que fazer?  Vou reproduzir a opinião que surgiu do seminário. Em vez de aumentar os  juros, que elevam a dívida pública, eu aumentaria o depósito  compulsório dos bancos. Não dá lucro pra banco nenhum e dá uma enxugada  na economia. Em vez de congelar o salário mínimo e ficar com essa imagem  antipática diante dos trabalhadores, eu daria um freio de arrumação no  empréstimo consignado, que está crescendo muito velozmente. Ajuda a  alimentar o processo inflacionário. Precisa também dar uma reduzida nos  prazos de financiamento.
- O BC já elevou o compulsório dos bancos e alargou o prazo dos empréstimos. Não foi o bastante?  Eles fizeram, mas não foi o suficiente. Precisa ser mais pesado. E tem  de segurar o empréstimo consignado. Esse pessoal não vai conseguir  pagar. Não tem funcionário público que não tenha comprado um carro novo  financiado. Estão se afundando em dívidas. Os bancos não tem risco  nenhum e os juros são absurdos. 
- Acha que o governo tem medo de contrariar bancos? Sim. O Lula fez um acordo num determinado momento, pra sobreviver.
- Que acordo? Naquela época do mensalão, em 2005, o Lula fez um acordo com o capital.
- Em que termos foi celebrado esse acordo?  Comprou-se o silêncio. A nossa imprensa estava subordinada ao que o  Mangabeira [Unger] chamava de capital vadio, especulativo, que não  produz nada. Por isso, preferiu-se premiar os bancos. Eu esperava da  Dilma algo diferente. Principalmente depois que ela mandou o [Henrique]  Meirelles passear. 
- Retirou o Meirelles mas nomeou Alexandre Tombini, da antiga diretoria. Sim,  mas sem aquela auréola de independência e arrogância de um sujeito que é  presidente dos bancos centrais da América, ex-presidente do Banco de  Boston.
- Se adotado o seu caminho, acha que seria possível elevar o salário mínimo para R$ 560?  Sim. Não estamos propondo um salário mínimo absurdo. Apenas achamos que  deveria ter sido mantida a tendência de aumentos reais, acima da  inflação. Foi uma bobagem da Dilma se contrapor à esperança do povo por  tão pouco. Ela sinalizou para o capital e não sinalizou para o trabalho.
- Suas observações encontram eco no governo. Alguém o chamou para conversar? Não. Nada.
- Por que se opôs à aprovação da medida provisória que criou a Autoridade Pública Olímpica?  Essa medida deu à ‘otoridade’ olímpica poderes para renovar a concessão  de todas as lojinhas que operam em aeroportos. E tem coisa mais  esdrúxula. Essa autarquia especial passa a ter a administração de todos  os aeroportos do país. E mexeram na lei de licitações, criando regime  especial para as obras das olimpíadas.
- De onde veio a emenda que permite a renovação dos contratos das lojas de aeroportos?  A emenda é do Marco Maia [presidente da Câmara] e teve o apoio do DEM e  do PSDB. Tenho um sobrinho que é deputado federal, João Arruda. Ele  disse que isso não foi nem lido no plenário. Obteve a informação na  liderança do PMDB na Câmara. Fizeram uma votação por acordo de  lideranças. Os deputados não sabiam que tinham aprovado aquilo.
- No Senado, PSDB e DEM votaram contra, não? Votaram contra porque o Aloysio [Nunes, PSDB-SP] não engoliu o negócio. E o Alvaro [Dias, PSDB-PR] o acompanhou. 
- Está otimista com o governo Dilma?  Ela tem força, tem apoio popular. Mas começa a perder esse apoio quando  comprime o salário mínimo. Podia botar os R$ 560, simplesmente para  sinalizar que se joga com o trabalho. Há alguns sinais. O aumento do  Bolsa Família atenua o problema do mínimo. Ajudarei no que for possível.  Apoio, por exemplo, a desoneração da folha de salários. Só não posso  concordar com o papel reservado ao Congresso. O Senado virou uma  chancelaria do governo.
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